Mas que bar é esse?
Pais e filhos era a trilha sonora daquela noite, a voz de Renato Russo ecoava no ambiente cavernoso do bar da esquina, a chuva lá fora trazia um cheiro de umidade para dentro, e o frio vagava como rei, sendo intimidado apenas pelos casacos grossos e as goladas de bebidas quentes que fazia até barulho.
Era segunda a noite, onze e meia, meia noite e meia, tanto faz a hora não é preocupação para quem usa do bar da esquina como opção de “passeio”. O bar ficava no andar de baixo do casarão da família Miklous.
Nesse tempo dos Miklous só restavam dois irmãos, o casarão era de estrutura antiga, a pintura era verde água só que já desbotava, em cima ficava a casa, que na maioria das vezes estava de janelas abertas. O interior do bar tinha um papel de parede vinho, e moveis de madeira, havia vasos de flores, não havia flores dentro, apenas galhos secos de uma natal passado. As decorações eram gesso, acompanhava até o chão onde o piso de assoalho fazia gemidos com cada passo dado.
Johan limpava o balcão com sua flanelinha amarela, ah claro, Johan era o garçom, balconista, caixa, faxineiro, segurança e sócio do bar da esquina, alto e esguio ele dava medo, seus olhos pretos e fundos davam calafrios, sua boca grande e enrugada dava desconfiança, mas sua voz rouca e baixa apenas dava tranquilidade. Apesar da imagem grotesca e bruta Johan era o irmão bom, não se metia em confusão atoa, só quando era necessário.
Johan tinha uma filha, ela se chamava Virginia, Virginia tinha uma mãe que se chamava Loretta, mas Loretta morreu no parto de Virginia, Johan amou e amava Loretta, mas como ela se foi Virginia ganhou todo o amor multiplicado por Cinco que era sua idade, quando não queria dormir, descia para o bar e sentava nas escadas dentro do balcão dava moedinhas para o pai colocar músicas na maquina, quando não era Gatinha manhosa, ela ouviu O tempo não para, mas gatinha manhosa era sua preferida. Esta noite Virginia estava na escada, sentada com um pijama lilás listrado, e pantufas vermelhas, esta noite Virginia não tinha moedas, então ela ficava ali apenas fazendo cara de dó para tentar arrancar moedas do papai, o que quase nunca acontecia.
O Publico concentrado no bar da esquina aquela noite somava oito pessoas, era para ser nove, mas preconceituosamente ninguém contava Betorelho como pessoa, pois Betorelho estava mais para porco bêbado. Mas Betorelho era um bom porco, só que bêbado.
Um trio de amigos estavam sentados na mesa perto da lareira, estavam fugindo da faculdade com certeza, suas caras de acabados e os livros exageradamente grandes os acusava. Uma magrela ruiva sorria, um homem careca bebia, e outra magrela morena se entediava, falavam do mesmo assunto, mas parecia nem se conhecer muito bem.
As pessoas que geralmente frequentavam o bar da esquina já estavam no auge de suas vidas medíocres e chatas, não tinha mais admiração por nada, não tinham animo para nada, estavam simplesmente perdidas, por isso o bar da esquina era o bar mais calmo da região, mas era também o mais triste, e o mais frio.
Duas senhoras na casa dos cinquenta anos estavam na mesa 13 bem no meio perto do castelo das aranhas, só para constar, castelo das aranhas era um lustre amarelado, grande e infestado de teias que ficava alojado bem no meio do teto do bar um pouco a frente da claraboia, quem deu esse nome ao lustre foi Virginia em uma tarde de verão quando seu pai limpava as decorações de gesso.
– Papai o senhor não vai limpar o castelo das aranhas?
Johan sorriu e olhou para a filha dizendo:
– Mas me diga querida, se eu limpar o castelo das aranhas pra onde é que elas vão?
Virginia pôs os dedinhos gorduchos no queixo como de costume quando era questionada. Pensou, pensou, olhou para o pai e disse. Levantando um palitinho e usando-o como espada estufou o peito dirigindo-se ao pai.
– Não ouse tocar no castelo das aranhas cavaleiro magrelo! Eu o protegerei até o fim!
– Deixe-me ser seu alazão, pois não quero ser cavaleiro magrelo.
Questionou Johan com uma cara de insatisfação no rosto, Virginia em um pinote montou nas costas do pai que saiu pulando como cabrito por entre mesas do bar. E assim nasceu o castelo das aranhas.
Domingas e Dolaci, eram duas senhoras regateiras, olhava para a bunda dos mocinhos, e ainda comentavam, ficavam de buchicho quando um senhor bem arrumado entrava no bar, elas iam todas as noites de segunda a segunda ao bar desde que viraram viúvas ao mesmo tempo de seus maridos que morreram soterrados uma construção irregular, não ganharam pensão, não ganharam indenização, foram largadas e rejeitadas pelos que deveria ajuda-las por assassinar seus maridos, mas nada aconteceu, então resolveram morar juntas e desde então começaram a frequentar o bar da esquina, riam e cantarolavam, mas quando tocava Sweet Lost Love, se abraçavam e choravam, deixava então transparecer a tristeza que mesmo com sorrisos e regateio jamais saíram de seus corações, desde que abandonaram seus companheiros em caixas grandes de madeira. Esta noite Dolaci bebia cerveja preta e comia bolinhas de carne moída, Domingas estava de pé ao lado da mesa dançando com passinhos tímidos ao som de Legião.
Logo na mesa 12, atrás das duas amigas viúvas, estava um ser, um homem, um garoto na verdade, 25, 26 ou 27 anos, jaqueta de couro, calça jeans azul clara, blusa branca regata, tinha pele escura, não muito escura, era mais um moreno, cabelo preto e bem penteados, meio vitage. Ele carregava uma bolsa, pela silhueta o que estava dentro era um violão, talvez ele fosse músico, ninguém sabia, não por enquanto, mas pela situação do bom moço logo, logo, era virariam parte da decoração. Bebia apenas um copo de cerveja, trouxe uma flor da rua e colocou dentro da garrafa. Olhava para o castelo das aranhas, sorria, olhava para a clara boia, observava as gotinhas de chuva dançando, se perdia.
O Bar da esquina era exatamente a casa dos perdidos, onde os lastimosos, os cansados, os tristes e os esgotados podiam sentar, e apenas ficar lá.